quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Resenha "O Cirurgião" - Tess Gerritsen

O Cirurgião

Melhor coisa no mundo é poder indicar um autor bom para alguém. Se, com sorte, eu tiver uns dois leitores regulares, espero estar fazendo meu papel no mundo literário ao indicar Tess Gerritsen para ler. Aliás, leitura obrigatória para quem gosta de romance policial e principalmente suspense médico! Iniciei a leitura desse gênero (não sei se é bem "suspense médico" o nome, mas vamos lá) com a autora em questão, que já foi médica e depois se aventurou pelo mundo dos livros. Por isso mesmo você encontra um milhão de termos e jargões de hospitais ao ler Tess, mas isso não deixa o enredo menos atrativo. 

Li  "O Jardim de Ossos" antes de "O Cirurgião" e pode apostar que foi uma boa escolha, porque se o primeiro livro me deixou fanática por ela, o segundo sem dúvida alguma é uma obra prima. E não sou de ficar babando ovo pra escritor (tirando minha número um de todos os tempos, srta. Austen), mas cara, se você ler algo da Tess Gerritsen, pode ter certeza que mesmo não gostando, pelo menos vai reconhecer que ela manda muito bem. Mas enfim, só a minha opinião né? Não me aventurei muito por esse gênero, mas adorei o seu estilo de escrita e como ela cria os personagens e a trama, então acho que podemos considerá-la uma boa escritora de suspense médico. 

O livro em questão, conta com a personagem Catherine Cordell, uma médica cirurgiã de um hospital muito famoso em Boston e é igualmente famosa porque é extremamente boa no que faz. Acontece que, dois anos antes, ela sobreviveu a um ataque de serial killer que praticava violência sexual em mulheres e depois, com todo o poder psicopata do mundo, colhia o útero delas como um suvenir. Ela escapou ilesa dessa atrocidade, mas claro que seu psicológico ficou altamente destruído. Construindo mais camadas, a autora acrescenta ao enredo um ponto muito importante: Catherine, impedindo sua mutilação, consegue se soltar das amarras (o violentador amarrava as mulheres na cama com fios de náilon, estuprava-as e depois começava a chacina), ela alcança sua arma que estava embaixo de sua cama e dá um tiro em Andrew Capra, seu quase assassino. O caso então é encerrado e arquivado em Savannah, e Cordell segue rumo a Boston para recomeçar sua vida, um ano após se manter trancada em um apartamento com ataques de pânico frequentes. 

Antes de continuar, preciso alertar uma coisa bem importante: não sou de ficar impressionada com enredos, a última vez que isso aconteceu foi quando li "As Crônicas do Rei Artur", do Bernard Cornwell, e sonhei com aquilo umas três noites seguidas, mas a trama de "O Cirurgião" chega a ser igualmente perturbadora. Não tem mortes sangrentas o tempo todo, mas o tema do livro é bastante complicado de lidar, ainda mais porque sou mulher e me sinto agredida ao ler sobre ataques sexuais e o que isso provoca em outras mulheres. Acrescente isso ao fato de que a Tess - e vou falar mais sobre isso depois - é absurdamente boa em descrições e detalhes, então o livro se torna explícito no modo psicológico da coisa, ou seja, você acaba sofrendo tanto quanto as "vítimas" ao ler o que elas passam. Portanto se você não está afim de um livro tão denso, acho melhor deixar "O Cirurgião" para depois, ou encarar né. Vai que só eu sou meio sensível quando leio? Mesmo assim, fica a dica.

Bom, dois anos depois, a detetive Jane Rizzoli recebe um caso para investigar e se depara com um violentador sexual, uma mulher comum, só que agora jaz morta com uma incisão muito bem feita, a garganta cortada e um útero a menos. O detetive Thomas Moore é também chamado para atender ao caso, e ambos se deparam com um assassino de métodos muito parecidos com Andrew Capra. Quando outra vítima é feita na cidade de Boston, a polícia se depara com um estuprador peculiar: assim como um réptil, sua pele se torna "melhor" ao sol, pois ele sofre da Síndrome de Netherton, que, segundo o livro, é "uma condição recessiva autossômica que afeta o desenvolvimento da queratina" e também cria problemas para a pele, ou seja, nosso serial killer se move como um reptiliano. Nojento, mas isso acrescenta um terror a mais para a história, pois faz muito calor em Boston e à noite, enquanto mulheres dormem de janela aberta para não sentirem sufocadas pela temperatura sufocante da cidade, um assassino pode espreitar pelas frestas e atacar. O que os detetives não conseguem descobrir é como ele anda por esta cidade e quais são seus hábitos, pois as vítimas não tem sequer uma ligação entre si. Quando o detetive Moore consegue descobrir com Cordell que há algo a mais que ela não contou antes, em uma sessão de hipnose, somos levadas a uma nova descoberta: Andrew Capra não estava sozinho na noite que atormentara a dra. Catherine. Ele tinha um companheiro, que, entre as muitas cenas do livro, descreve viagens em que os dois se maravilham com atrocidades cometidas antigamente, como o assassinato de Ifigênia, a filha de Agamenon, que foi sacrificada para que a Deusa Ártemis parasse de provocar sua ira sobre a vida dos troianos e outras histórias antigas igualmente interessantes, mas que, na visão dos dois psicopatas, se tornam sombrias, pois é como se cultuassem o sangue de suas vítimas com conotações sexuais. Chega a ser perturbador ler essas cenas, e se há uma coisa que Tess Gerritsen foi sensacional neste livro, foi em entrar na cabeça de seus assassinos. Você consegue sentir a loucura em que os dois abraçam suas fantasias mais depravadas. Eles não arrancam o útero por algum motivo em especial, eles só sentem prazer no ato de matar mulheres. E é isso que eu acho que torna a leitura muito, muito e muito assustadora.

Há mais camadas no livro, é claro. Os detetives buscam pistas às cegas, mas o que eles não esperavam era a proximidade na qual o serial killer se encontrava de sua principal vítima: a única sobrevivente do caso, a mulher que matou seu companheiro e que, diferentemente das outras, não se entregou ao medo. Ela se tornou uma cirurgiã famosa em Boston e agora, seu perseguidor volta para finalizar o trabalho inacabado de Andrew Capra. Leia se tiver coragem e se entregue de corpo e alma para esse thriller médico que nos deixa sem fôlego, muito bem contado, estruturado e com detalhes que só uma ex médica poderia trazer ao livro. Não há arestas soltas, não há partes inacabadas. É uma história de um seriais killers tão bem contada que parece ter saído de um arquivo policial. 

ISBN: 9788501069764
Ano: 2013 / Páginas: 386
Editora: Record